Por Renata Bueno*
Nos dias 8 e 9 de junho, a Itália realizou um referendo popular com votação de requisitos de leis trabalhistas e sobre a redução de 10 para 5 anos o tempo de residência legal necessário para que imigrantes de fora da União Europeia possam solicitar a cidadania. A proposta, apoiada por mais de 600 mil s, buscava alinhar o país a padrões europeus, como os de França, Alemanha e Portugal, que exigem 5 anos. Apesar da mobilização, o referendo não alcançou o quórum mínimo de 50% de comparecimento, sendo invalidado.
Contexto da proposta
A atual lei italiana, de 1992, estabelece um dos prazos mais longos da Europa para cidadania por residência: 10 anos, além de requisitos como renda suficiente, proficiência em italiano (nível B1) e ausência de antecedentes criminais. A reforma proposta visava facilitar a integração de cerca de 2,5 milhões de estrangeiros regularizados, que representam 9,2% da população de 59 milhões. A medida seria especialmente relevante para jovens nascidos ou criados na Itália, que hoje enfrentam barreiras para obter cidadania até os 18 anos.
A Itália enfrenta uma crise demográfica, com quase 25% da população acima de 65 anos. A imigração é vista como essencial para sustentar a economia, especialmente em setores como agricultura, construção e serviços, além de contribuir para o sistema previdenciário.
Participação e resultado
O referendo contou com a participação de cidadãos italianos no país e no exterior, que votaram por correspondência. No entanto, a abstenção foi alta, influenciada pelo governo italiano. A estratégia de incentivar a não participação foi eficaz, repetindo o fracasso de outros referendos, como o de 2022 sobre o sistema judiciário, que teve apenas 20,4% de comparecimento.
Implicações e debate
O resultado reacendeu discussões sobre a inclusão de imigrantes, especialmente filhos de estrangeiros nascidos na Itália, que enfrentam obstáculos para obter cidadania. A proposta buscava promover a integração e responder às necessidades demográficas e econômicas do país. Apesar do fracasso, estimativas indicam que 30-40% dos votantes apoiavam a reforma, sugerindo que o tema pode voltar ao debate no Parlamento.
Esclarecendo: o referendo não afeta a cidadania por descendência
É importante destacar que o referendo não altera as regras de cidadania por direito de sangue (jus sanguinis), que afetam descendentes de italianos no exterior, como
ítalo-brasileiros. Em maio de 2025, o Parlamento aprovou uma lei restringindo o jus sanguinis a filhos e netos de italianos nascidos na Itália ou que residiram lá por pelo menos
dois anos antes do nascimento do descendente. Essa medida, que impacta milhões na diáspora, não foi objeto do referendo, que tratava apenas da cidadania por residência.
Como ex-parlamentar eleita pela América do Sul, denunciei a inconstitucionalidade dessas mudanças no jus sanguinis, que rompem laços históricos com a diáspora. O referendo, por outro lado, era uma chance de avançar na inclusão de imigrantes não descendentes, mas foi sabotado por uma visão restritiva.
O futuro do debate sobre imigração
O fracasso do referendo não encerra a discussão. A pressão por reformas deve continuar, liderada por sociedade civil, sindicatos e oposição. A Itália necessita de políticas inclusivas urgentes para enfrentar os desafios demográficos e econômicos do país.
Enquanto o debate se intensifica, a sociedade italiana e sua diáspora global, incluindo os 32 milhões de ítalo-descendentes no Brasil, devem defender políticas que promovam integração, justiça e direitos humanos. O referendo de 2025, ainda que frustrado, expôs as divisões e reacendeu a luta por uma Itália mais acolhedora.
