Evandro Pertence*
A advocacia é função essencial à Justiça, inclusive com previsão constitucional. Nesses tempos de polarização, porém, acompanhamos cada vez mais pela imprensa e nas redes, episódios de violações às prerrogativas profissionais do advogado. Desrespeito durante audiências, proibição de ingresso em tribunais e quebra da inviolabilidade de escritórios são casos que pipocam país afora.
Vale aqui ressaltar que as prerrogativas não são meros caprichos ou privilégios, como muito se tem dito na guerra de narrativas, para usar o termo da moda.
As prerrogativas são instrumentos que asseguram o livre exercício profissional. Mais que isso: são elementos essenciais para que cidadãos tenham direitos protegidos e assegurados.
Buscas e apreensões em escritórios, por exemplo, atingem um dos pilares mais básicos da advocacia: o sigilo entre profissional e cliente. Assim como a relação entre jornalistas e fontes, líderes religiosos e fiéis, psicólogos e pacientes, o sigilo profissional na advocacia é o que garante às pessoas a segurança para expor todas as informações necessárias a fim de garantir o seu direito de defesa.
É com grande preocupação, assim, que vemos o Supremo Tribunal Federal relativizar a garantia do direito ao silêncio. Diante da presunção constitucional de inocência, a investigação e o processo penal correm dialeticamente, cabendo à defesa contrapor o afirmado pela acusação, e não o contrário. A decisão do investigado de calar ou responder às perguntas feitas pelos parlamentares numa I, por exemplo – ou mesmo de exercer parcialmente a garantia, respondendo a algumas perguntas, mas não a outras – é tomada pelo cidadão em conjunto com seus advogados no interesse de seu direito de defesa. Só o acusado pode fazer corretamente esse juízo, para o qual, protegido pelo sigilo da relação advogado-cliente, terá a assessoria jurídica de seu defensor.
Assim, se alguma relevância se puder emprestar às advertências do STF de que o direito ao silêncio não é absoluto, temos que tais estão dirigidas ao advogado do investigado, já que somente esse profissional indispensável à istração da justiça possui condições de avaliar a extensão do direito de seu cliente. Nunca poderá ser o investigador ou o Estado-juiz a fazê-lo. Nesses casos a defesa tem a última, senão a única, palavra.
Isso vale para uma I, para uma vara criminal em Natal ou uma delegacia do interior de Curitiba. Aqui também cabe observar que o profissional não pode ser confundido com o cliente, seja ele quem for. Obrigar algum suspeito a depor contra a orientação de sua defesa é um desrespeito ao trabalho do advogado, exercido com zelo e rigor técnico.
Em tempos de radicalização, no entanto, é preciso buscar o diálogo, construir pontes, distensionar o ambiente. Nesse momento, a advocacia tem muito a contribuir ao país. O direito de defesa é de todos e do próprio interesse da Justiça.
E o que advogadas e advogados exigem e merecem é um tratamento compatível com o papel institucional da profissão para garantia de direitos, que, ao fim e ao cabo, significam o próprio fortalecimento da democracia.
Deixem a advocacia trabalhar. É salutar para a Justiça. É democrático.
*Evandro Pertence é advogado desde 1994, ex-conselheiro federal, é especialista em contencioso, tribunais superiores e sócio da Sociedade de Advogados Sepúlveda Pertence.