Para entender verdadeiramente um vinho — especialmente quando ele nasce de uvas autóctones, cultivadas há séculos em um território específico — é essencial mergulhar em sua geografia, clima, cultura e, claro, conhecer quem o produz. O terroir, conceito central no universo do vinho, é a soma desses elementos. Na região da Campania, no sul da Itália, esse conjunto adquire um caráter singular graças à presença de vulcões ativos, solos de origem magmática e uma tradição vitivinícola que remonta à Antiguidade.
A convite do evento Campania Stories 2025, voltado à promoção dos vinhos locais junto à imprensa internacional, tive a oportunidade de percorrer os territórios campanos, degustar suas principais denominações de origem e ouvir diretamente dos produtores as histórias que moldam seus vinhos.
Vinhos que nascem do fogo
Campania é uma terra marcada por vulcões lendários. O Vesúvio, ainda ativo, é um dos mais famosos do mundo — não apenas pela erupção que destruiu Pompéia e Herculano no ano 79 d.C., mas também por seu impacto na viticultura. Os vinhedos que cobrem suas encostas se beneficiam de solos ricos em minerais e excelente drenagem, características que contribuem para a estrutura e complexidade dos vinhos locais.

Outro território fascinante é o dos Campi Flegrei, uma vasta caldeira vulcânica composta por múltiplos cones e crateras, considerada uma das áreas de maior risco geológico da Europa. Ali, a proximidade com o mar e os solos de tufo vulcânico conferem aos vinhos uma acentuada salinidade e frescor. A mesma casta pode se comportar de formas bem distintas: a Falanghina, por exemplo, ganha perfil mais arredondado e acidez mais branda em Sannio, enquanto nos Campi Flegrei revela um lado mais vibrante e salino.
Tradição que atravessa os séculos
A Campania possui uma das tradições vitivinícolas mais antigas da Itália. Um dos registros mais impressionantes está na Villa Augustea, sítio arqueológico localizado na área de Somma Vesuviana, aos pés do Vesúvio. Evidências mostram que ali se produzia vinho desde o século V d.C., como atestam tanques de prensagem, ânforas e estruturas de armazenamento e fermentação. Um elo fascinante entre ado e presente.

Uvas autóctones: diversidade e identidade
No Brasil, já se conhece algumas das uvas brancas mais emblemáticas da Campania, como Falanghina, Fiano di Avellino e Greco di Tufo. Mas a região abriga outras joias menos conhecidas, como a Coda di Volpe, de notas florais e textura sedosa; a Caprettone, muito presente nas encostas do Vesúvio; e a Ravello Bianco, típica da Costa Amalfitana. Também merecem destaque as uvas Pallagrello Bianco e Biancolella, esta última cultivada na ilha de Ischia.
Entre as tintas, brilha a Piedirosso, especialmente ao redor do Vesúvio, onde origina o emblemático Lacryma Christi del Vesuvio. Segundo a lenda, ao ver Nápoles tomada pelo caos, Cristo chorou, e de suas lágrimas teria nascido esse vinho. Com corpo médio e aromas terrosos e frutados, ele representa fielmente o terroir local.

Já a potente Aglianico, de maturação tardia e taninos robustos, dá origem a um dos grandes vinhos tintos do sul da Itália: o Taurasi DOCG, produzido nas altitudes da província de Avellino. Conhecido como o “Barolo do Sul”, o Taurasi impressiona pelo potencial de guarda e profundidade.
O esplendor dos brancos
Após degustar dezenas de rótulos durante o Campania Stories 2025, posso afirmar: embora os tintos sejam notáveis, os vinhos brancos da Campania são as verdadeiras estrelas. Com acidez vibrante, mineralidade e um toque salino, esses brancos oferecem longevidade e complexidade. Não são vinhos que exigem consumo imediato — envelhecem com elegância e revelam novas camadas aromáticas com o tempo.
Um território a ser descoberto
Explorar os vinhos da Campania é, também, descobrir uma Itália menos conhecida — onde história, vulcões, mar e montanhas se entrelaçam para compor um dos cenários mais fascinantes do país. A autenticidade das uvas locais e o protagonismo de pequenos produtores tornam a região indispensável para quem busca identidade, história e emoção em cada taça.